Foto pink

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domingo, 19 de abril de 2009

Que medinho

Estava amedrontada, ao sair da sala de aula meu mundo poderia ser descoberto. Não gostava das caras feias que me obrigavam a perceber, entender ou lembrar da existência do mundo real. Parecia impossível decifrar os enigmas dos conjuntos de letras.
O papai ficava apavorado quando eu dizia aos prantos “Eu nunca vou conseguir”. Os pais são mais fracos do que as mães, eles temem intensamente as fraquezas dos filhos e vestem a máscara da fúria com a tentativa de livrar-se desse problema.
A mini biblioteca me parecia um mundo grande e perigoso. A tia Cida entregou a cada aluninho um pequeno livro. Minhas pernocas tremeram quando percebi a situação. Meu vazio seria descoberto novamente caso não atuasse com perfeição. O silêncio era meu companheiro de fuga. Cada criança abriu seu livro, fiz o mesmo para não levantar suspeitas. Lia as imagens e mal olhava para as palavras malvadas.Um cutucão e uma inocente pergunta romperam meu transe. “Talita, quer trocar de livrinho comigo?”. A velocidade do meu sangue acelerou. Não conseguia pensar, precisava agir imediatamente. Qualquer gesto dócil revelaria a cor do meu coraçãozinho.
Minha resposta foi um não acompanhado de um soco, sucedido de arrependimento e uma dorzinha no fundo do peito.

domingo, 12 de abril de 2009

Formigas

Sou os dias que passei sozinha com as minhas bonecas, as tardes que ficava no quarto com a minha mãe, e os finais de semana com meus pais.
Sou a garotinha que acordava cedo, esperava a perua escolar, olhava para a cidade com olhos fantásticos. Ao chegar na escola não me importava com a falta de amigos. O tempo corria. Chegava em casa apressada, excluía meus amigos imaginários e conversava com as minhas bonecas dentro da minha cabeça.
Nas viagens para Campos, não fazia como minha irmã, que corre, faz trilhas, descobre lugares novos... Eu insistia durante pouco tempo em pegar o Tobi, que fugia de mim, e na outra parte do dia olhava para os formigueiros que destruía.
As formigas pegavam seus ovos e os levavam para o fundo do formigueiro despedaçado. Eu sou só um ovinho de formiga dentro de um formigueiro gigante.

Pedrinha de Gelo

Sua voz, seu jeitinho e a sua companhia tornariam meu dia especial. Fui te encontrar. Dessa vez sem expectativas, mas só para ficar ao seu lado mesmo.
Desci até aquele lugar quente e escuro cheio de pessoas com o ritmo da cidade. Os minutos pareciam horas, uma espera curta para meu corpo e longa para o meu coração. Minhas mãos suavam antes de toda aquela gente subir as escadas e passar pelas catracas reluzentes pela quarta vez. Dessa vez você estava entre elas.
Um beijinho amável no rosto. Subimos a escada juntos para apreciar aquela tarde bonitinha e gelada. Preferia não falar muito. Era tão bom ver o brilho de seus olhos ao me contar sobre aquela viagem recente, seus amigos e sua família.
O passado tinha me roubado aquele brilho. Uma família sem laços resistentes e uma amizade que só era encontrada quando se olhava para trás. Mas eu queria meu brilho de volta!
Fomos àquele lugar bonitinho de sempre. O frio aproximou nossas faces tímidas. Era tão bom sentir seu rostinho e o tique-taque do seu coração. Quando nossos lábios se encontraram, meu coraçãozinho gelado funcionou tão depressa, que todo gelo que lá estava virou fumaça e meus olhinhos voltaram a brilhar.

À Luísa

Em lugares pequenininhos palavras de despedidas costumam ser muito bonitinhas e confortantes, mas dificilmente carregam a verdade. Tempo e proximidade, assim como o conjunto de tijolinhos laranja que formam um lar, são fundamentais para a construção de algo verdadeiro.
Palavras sinceras não carregam apenas um significado convencional. É preciso construir uma amizade com ouro e pedras de brilhante, para decifrar o enigma dessas letrinhas. Não há nada mais valioso que entender que um “venha sempre me visitar”, significa “não desapareça, pois a minha felicidade depende de você”.
Para os que ficam, despedidas são como o dia de receber aquele envelope, que diz que a verruguinha que está no fundo de nossos peitos é maligna ou benigna. O laço que nos une é o mais resistente do mundo, mas amanhã você não estará ao meu lado na hora de reforçar os nós.
Foi muito difícil construir sozinha o que criamos juntas. Hoje sou uma das pessoas mais fortes do mundo, me defendo sozinha de toda violência que você não me deixava ver.
Como é triste olhar para estes vestígios de parede e lembrar que isso já foi o lugar mais aconchegante e especial do planeta. Mas pior que isso, seria olhar para traz e só achar as palavrinhas de despedidas confortantes dos lugares pequenininhos.

A chama

Essa chama que está queimando os pelinhos da minha perna já faz parte de mim. Mas desde quando e onde?
Agora minha cabeça procura loucamente pela lembrança daquele dia. Mas ela não é única. Não há um documento que o descreva com perfeição.
Ainda bem.
A existência de um arquivo completo, com documentos que narram tudo já vivido, roubaria os prazeres das lembranças.
As lembranças nos tornam diferentes das máquinas. Sentimos, mas não revivemos ou assistimos ao que passou.
Sou tudo o que sinto.
A sensação de algo é a única coisa que não perco nunca. Já as fisionomias, causas e conseqüências vão embora com o tempo.
Agora, minha memória já não registra a intensidade do brilho daquele fogo. Mas o calor daquela chama é o que me faz saber que o dia existiu. A capacidade de ainda sentir tal calor evidencia a influência do acontecimento no que sou.
Eu e Cécile queríamos acender o fogo. Mas o vento que rondava as árvores sempre o levava. Queimávamos e queimávamos folhas de todos os tipos, mas nada do fogo ficar quieto.
Nós e nossos 12 anos precisávamos dele para escolher qual caminho seguir naquela noite. Sua luz não nos ajudou. Mas aquela grande e redonda lua o fez, então conseguimos achar o caminho certo sozinhas.
As marcas que deixamos nas árvores naquela noite já não são profundas. Na verdade são quase invisíveis. Mas sei que elas estão lá, pois as sinto minimamente quando as toco.
Foi naquela tarde, em que sentia que tudo seria impossível sem a chama, que aprendi a me guiar sozinha e deixar minhas marcas. Depois disso, nunca mais fiquei no escuro.

Mudança

O primeiro dia foi estranho. Aquelas pessoas não faziam parte de mim, não compartilhavam dos meus pensamentos e costumes. Uma dorzinha aguda no fundo do meu peito latejava quando pensava “Esses serão meus novos amigos”. Sempre sonhei em estar lá, mas a realidade foi diferente do meu ideal.
Mudar parecia o caminho mais curto para a liberdade, parecia uma maneira de me tornar um daqueles que eu admirava, parecia o melhor meio de sair daquele lugar pequeno para meus sonhos.
Hoje continuo sem liberdade, já não admiro os modelos antigos e tenho consciência de que o lugar dos meus sonhos ficou para trás. Meus desejos não se realizaram, mas não lamento por isso.
A mudança não me presenteou com um lugar novo e melhor. Mas sim, com uma cabeça nova, reflexões diferentes, sonhos maiores, coragem, paciência e força.
Lá meus olhos só eram capazes de ver a superfície das pessoas amadas, agora posso ver os interiores. Não as sinto mais como sentia naquele lugar, porém aprendi a amá-las por motivos diferentes e reais.
Não sei se foi o mundo ou os meus olhos que mudaram, mas fico feliz pela mudança. Só gostaria que o mundo fosse tão nítido quanto naquele lugar pequenininho.

Estrada, Carros e Estrelas

O dia de voltar para casa sempre foi feliz e triste. Assistir Cartoon Network de novo, dormir no meu quarto com os brinquedos e ver os amigos da escola. Mas aquele lugar em que tudo não se limitava à realidade ficava para trás.
As brincadeiras de Barbie foram muito divertidas, mas ao mesmo tempo tão adultas. A verossimilhança podia ser mínima, mas elas aconteciam nesse mundo, cheio de realidade.
Aquele dia em que eu era a princesa e o Tobi o índio que iria se casar comigo. A tinta guache foi o suficiente para meu cachorro virar esse índio.
E aquele outro, em que o exército de formigas tinha a missão de salvar os ovos sagrados do ataque da Giganta Talita.
Foram tantos e tantos dias fantásticos! Pena que a televisão e as Barbies roubavam-nos de mim, quando chegava em casa.
Meus pais acabavam de assistir aquele filminho no fim da tarde. Minha mãe levantava-se do sofá e começa a arrumar a pequenina cozinha de parede azul clara. Meu pai ia direto para o banho e em seguida dava uma olhada naquela maleta pesada, cheia de papéis chatos.
Depois de arrumar a cozinha, minha mãe gritava:
“Taliiiiiiiiiiiiiiiita, vamos tomar banho, porque já estamos voltando para São Paulo”. Eu ficava emburrada da mesma forma que tinha ficado antes de ter ido viajar. Mas ia tomar banho imediatamente.
Meus pais colocavam as malas no carro, conversavam um pouco com o caseiro e sua esposa e começávamos a viagem.
No carro o mundo parece girar devagar. Não sei se devagar é a palavra certa. Mas ele gira, gira, gira, gira então eu caio e adormeço.
Quando o efeito das voltas passava, eu ficava de joelhos e olhava para o vidro traseiro do carro. Eu já não podia diferenciar as casinhas do horizonte das estrelas do céu. Era tudo a mesma realidade. Então eu tinha certeza de que havia chegado em casa.

Sonhos

(Mãe entra no quarto com uma xícara de leite na mão e a entrega para sua filha que a espera na cama)

Filha
Mamãe, o que são os sonhos?

Mãe
Sonho é aquela historinha que acontece na sua cabeça enquanto você dorme filhinha.

Filha
Ela é verdadeira?

Mãe
Não é não querida, ela acontece de mentirinha só enquanto dormimos.

Filha
Mas então por que ela acontece?

Mãe
Ela acontece para iluminar as coisas que acreditamos que sejam reais. Sem os sonhos, você fica no escuro e é impossível chegar a algum lugar no escuro.

Filha
Como assim?

Mãe
Humm, como eu posso te explicar? Bom, você só aprendeu a andar de bicicleta porque você sonhou com isso.

Filha
Não sonhei não!

Mãe
Claro que sonhou! Você vivia dizendo para a mamãe que queria andar de bicicleta bem como a Cássia.

Filha
Eu nunca andei de bicicleta enquanto dormia.

Mãe
Mas o sonho também é tudo aquilo que queremos muito. E quando desejamos que algo aconteça, devemos ir atrás disso até que se torne real. O sonho é o que há de mais verdadeiro em nós. Muitas vezes não conhecemos aquilo que sentimos, mas sempre reconhecemos os sonhos. E ele é a única coisa que ninguém pode tirar de você.

Filha
Mas você não disse que eles eram de mentira?

Mãe
Eu estava enganada. Boa noite. Durma com os anjinhos. (Mãe pega a xícara vazia das mãos de sua filha e sai do quarto).

Tio César

Quando eu era bem pequenininha eu e a mamãe pegamos um ônibus e fomos para um lugar muito longe da minha casa. Lá as casas não eram bonitas como as da minha rua, e os carros, os pombos e os outdoors deixavam o lugar bem feio.
Entramos em uma daquelas casas. Havia uma mesa com várias pessoas em volta. Todas elas fizeram uma grande festa quando chegamos, abraçavam minha mãe e diziam “Meu Deus! Como a Talitinha cresceu!”. Eu não imaginava quem eram aquelas pessoas, mas eu nem me preocupava com isso, a cesta cheia de pães de queijo em cima da mesa era mais interessante.
Todos conversaram um pouco enquanto eu pensava em coisas fantásticas em algum canto, então uma porta abriu e dela saiu um homem alto, moreno, com cabelos cacheados escuro e mal cuidados. Ele me deu um grande abraço, em seguido juntou-se à conversa dos adultos. Uns cinco minutos depois, eu me encontrei fora do mundo da fantasia presenciando esse homem gritar com todos à sua volta e chorar com raiva. Eu não entendi muito bem o que aconteceu, mas a primeira impressão que tive foi que meu tio era um homem louco e assustador.
Um dia minha mãe chegou em casa e me contou que o Tio César ia morar com a gente e cuidar de mim. Eu fiquei apavorada! Mas como não tinha escolha, bolei vários planos para me defender daquele cara que havia gritado com todo mundo do nada.
Eu me lembro daquele dia que cheguei da escola e pedi ajuda com a lição de casa. Nós procuramos imagens e depois as colamos em meu caderno. Meu tio pediu para que eu guardasse meu material, isso fez com que surgissem dois chifrinhos e um rabinho naquela criança de cabelos vermelhos que fui.
Eu aproveitei que ele estava lavando louça na cozinha, peguei meu tubinho de cola e sujei toda a sala que ele havia acabado de limpar. Ele ficou louco da vida! Seus berros me deixaram bastante assustada. Ele me deu um pano de chão e disse que eu tinha meia hora para limpar a sala inteirinha. Meus bracinhos pequenos e gordos já estavam cansados de esfregar quando minha salvadora abriu a porta de casa.
“JÚLIO CÉSAR! POR QUE A TALITA ESTÁ ESFREGANDO O CHÃO DESSE JEITO? SERÁ QUE EU NÃO POSSO CONFIAR EM VOCÊ?!”
Meu tio me olhou com cara de bravo e contou tudo para minha mãe, ela duvidou um pouco da história dele, mas mesmo assim me deixou no banheiro por alguns minutos.
Apesar daquela imagem de louco e assustador, foi meu tio que me ensinou a pedalar as bicicletas sem rodinhas e ele também sempre me levava na pracinha de perto de casa. Eu não entendia o que fazia os meninos que jogavam futebol por lá rirem de nós. Mas as broncas que minha mãe dava nele deixava isso cada vez mais claro.
“César! Eu já falei quantas vezes que eu não quero que você use as minhas roupas? Você deixa todas elas largas e depois eu não consigo usar. Se você gostar muito de alguma coisa me fala que eu te dou de presente.”
Depois de alguns meses morando conosco, meu tio resolveu ir cuidar da casinha de Campos. Fiquei feliz a principio, seria o fim dos berros! Mas os dias passavam e eu sentia cada vez mais falta daquele jeitinho diferente de fazer lição de casa e andar de bicicleta.
Na hora das viagens meus pais perdiam a paciência devido aos infinitos “Pai, tá chegando?”. Eu não via a hora de chegar para olhar com cara feia para o titio e depois ir dormir no quarto dele. Aquela minha raivinha sem motivos e as broncas que ele me dava alegravam meu dia. Agora eu sei que as desavenças eram o nosso jeitinho de adorar um ao outro. Pena não ter descoberto isso antes de dizer adeus.

Primeira Carta de Amor

Como o Alexandre era legal! Ele era diferente dos garotos que só brincavam de carrinho e bola. Ele nunca bateria com um bastãozinho de brinquedo em minha cabeça, como o menino da outra escola fez. Ele podia negar-se a brincar de Barbie, mas sempre sugeria uma brincadeira legal.
Um dia resolvi declarar todo meu amor a ele. Peguei um papelzinho rosa do bloco de notas da minha mãe e comecei a escrever. Aquele quebra-cabeça de sílabas era complicadíssimo. Meus pais estavam recebendo visita, então eu evitava descer as escadas e perguntar “Mãe, pai, como eu escrevo ’XAN’?”.
Consegui fazer só umas quinze perguntas para escrever uma carta com doze palavras.
Quando finalmente terminei, tive uma das atitudes mais corajosas da minha vida. Fui até minha mãe, pedi para que ela não contasse nada para o papai, então pedi para ela ler e entregar para a mãe do Alexandre quando a encontrasse.
Hoje já não sou capaz de dizer “Te amo” sem ouvir essa frase antes. Os anos tornaram esse quebra-cabeça impossível. Posso escrever cartas de amor, mas tenho de queimá-las em seguida.
Talvez essa memória seja só uma das mentiras que existem em minha cabeça. Não sei se essa história é real. Por que uma menininha tímida e pequena entregaria uma carta de amor para o amiguinho?
Estudei com o Alexandre quando tínhamos aproximadamente três anos, aos quatro eu mudei de escola e perdemos o contato. Com cinco conheci as letras do alfabeto, aos seis aprendi a fazer sílabas e só aos sete aprendi a escrever.
Ao olhar para trás e analisar o tempo real, concluo que o tempo da minha memória não é confiável. Nunca escrevi um bilhete de amor para o Alexandre, eu mal sabia o que era letra naqueles tempos. Mas a imagem daquela garotinha descendo as escadas e perguntando “Mãe, como de escreve ‘HÃ’? E como se escreve ‘MO’?” está em minha cabeça. Talvez ela só exista para eu acreditar que um dia eu pude dividir o meu interior com alguém.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Talidomida

Quando eu era só um peixinho dourado na barriga da mamãe, meus pais diziam que meu nome seria Talita. A vovó não gostava muito da idéia, porque na época dela existia um remédio chamado Talidomida que matava peixinhos dourados, mas quando eu nasci ela descobriu que eu não poderia chamar outra coisa.
Desde pequenininha mamãe achava esse nome bonito. Sua professora de inglês da quarta-série chamava-se Talita, ela era legal, bonita e super inteligente.
Quando sai de dentro da barriga da mamãe minha família começou a me chamar de Talita. Acho que os nomes são presentes que recebemos quando aprendemos a respirar fora d’água.
Parece que a mamãe sabia que eu queria ter esse nome. ‘Menina’, não há palavra melhor que essa para me definir. As mães provavelmente passam a entender a língua dos peixes depois de engolir peixinhos dourados.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Marcas

O medo da morte faz com que todos tenham o desejo de ser eternos. E as marcas que os homens deixam na terra é a conseqüência de tal medo. Letras em árvores, fotografias, cartas... Isso só alimenta nossa fantasia do “para sempre”.
É difícil aceitar que a eternidade é a mais pura mentira de todas. Todas as marcas acabam. Elas podem demorar a chegar ao fim, mas é certo que chegam. E nossas desesperadas tentativas de não cair no esquecimento sempre falham.
As fotos que meus pais tiravam com o pretexto de eternizar meus três anos foram tentativas de marcar tal época. Obviamente essas tentativas não foram bem sucedidas. Não por eles tentarem através das fotos, mas porque toda tentativa falharia eventualmente.
Fotografias ficam guardadas em álbuns e caixas, logo a lembrança do milésimo de segundo que uma foto registra só é ativada quando alguém a procura. Usamos os porta-retratos caso queiramos deixar uma marca mais exposta, mas mesmo assim sempre passamos batido por eles, e, quando passamos a noite fora, nem sequer lembramo-nos daquela imagem que tentamos eternizar.
Além disso, a fotografia muda. O tempo faz com que ela fique verde, amarela e em seguida com traços fraquinhos, e assim a lembrança que esta ativava fica verde, amarela e com traços fraquinhos. Um dia esta fotografia ficará completamente branca, então alguém irá jogá-la fora, o papel vai decompor-se e a marca de tal tempo chegará ao fim.
As letras que escrevi nos Plátanos perto de casa têm a mesma função das fotos, mas elas também não são eficientes. Ontem elas eram profundas, úmidas e esverdeadas, hoje são uma dobra no meio das árvores, secas e marrom-escuras, amanhã não haverá nenhum traço delas.
Os desenhos e as letras das árvores são marcas. Mas essas marcas desaparecem tão rápido! O tronco e os galhos dos Plátanos crescem, e os desenhos vão ficando cada vez mais apertadinhos. Um dia os espaços para eles serão tão pequenos que nenhum homem terá a capacidade de enxergá-los.
Um desenhista de árvores pode reativar uma lembrança sem olhar para seu desenho, ele consegue fazer isso apenas visualizando o lugar em que fez o registro. Mas mesmo assim, o fim das árvores é pegar fogo dentro de uma lareira.
O fogo destrói nossas marcas, o vento ajuda a espalhar suas cinzas e assim somos esquecidos.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Caro Leitor

Caro leitor, se você imagina que esse texto será suficiente para me conhecer, lhe afirmo que está enganado. Nem uma vida ao meu lado seria suficiente para isto.
Se alguma máquina fantástica o trouxesse para dentro de meus pensamentos, você não acharia nada mais do que folhas rabiscadas que mudam seus escritos constantemente.
Não entendo o que me faz chorar, e tenho dúvida quanto à sinceridade de minhas gargalhadas.
Sou incapaz de lhe dizer o que me torna essa garota que sorri quando lhe dizem para fazer, e fecha a garganta e os olhos quando precisa gritar.