Foto pink

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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

TRANSFORMAÇÃO

Aquela dor que oprimia todo seu corpo obrigou Marie a abrir os olhos. Uma brisa quente meio um escuro marinho. Preferiu não se mexer para ver que horas eram. Teve medo que seus movimentos alcançassem os corpos que estavam ao seu redor, assim acordando-os. Resistiu nos lençóis engruvinhados por mais alguns instantes. Não aguentou. A dor espremia seus ossos tão intensamente que seu coração gritava acelerado.Sentou agressiva, da mesma forma que o faria caso estivesse sozinha naquele cômodo.

Notou que os outros não a percebiam. Estavam dormindo tão grotescamente. Só um terremoto poderia despertá-los. Se mesmo quando acordados seus movimentos e dores não os alcançavam, por que seria diferente quando dormindo, pensou.
Levantou, espreguiçou-se ocupando o maior espaço possível. Teve a sensação de que a culpada pela sua dor era a impessoalidade daquele quarto de hotel. Abriu sua mala como se fosse manhã. Pegou a primeira combinação que suas mãos encontraram. O escuro não permitia que seus olhos a julgassem, e na madruga há carência de olhos julgadores, saiu assim mesmo.

O atravessar daquela porta já deixou seu corpo anestesiado. Pela primeira vez saiu sem levar nada além da roupa do corpo. Nem mesmo a chave do quarto. Andou como andam aqueles que buscam um destino. O ar escuro e os passos que a levaram para tão longe daquele hotel aniquilaram sua dor. Remédio dos mais eficientes.

O sol começava a evidenciar suas primeiras estrias. Viu aquela luz como quem acorda pela primeira vez, correu de felicidade. Com pressa. Tinha ânsia de ver o mundo com os seus olhos novos pela primeira vez. Aquele ar cansativo, as gotas salgadas que encharcavam sua roupa, seus pés oprimidos pelo sapato. Eram esses os sintomas da tão desejada liberdade. Um pouco grotescos e agressivos, pensou. Mas absolutamente seus, sem qualquer alteração provocada pela consciência de olhos externos.

Enfim chegara diante do mar. Já era dia. Mas tão prematuro dia que ainda era protegida pela solidão. Tirou os sapatos apertados e as meias molhadas. Sentiu os grãos de areia se integrarem aos seus pés, como se fizessem parte do seu corpo. Andou devagar. Lágrimas tímidas deslizavam na sua face. Parou novamente. Deixou na areia um rastro de tecidos opressores e completamente nua, vestiu-se com a água do mar. Deu um último suspiro, e mergulhou feliz para aquela tão necessária liberdade.

Nunca mais voltou para os quartos de hotéis.

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